O Millenial que precisava de um uber.
As luzes dos postes brilhavam laranja naquela noite banhada à luz da lua, os grãos finos da chuva gotejavam nas poças que permeavam a calçada, não era nenhuma tempestade, mas também era água o suficiente pra molhar. Os dados do 4G acabaram e o Millenial precisava pedir um uber pra casa, olhava ao redor sem ideia do que fazer, a bateria do celular tava acabando, a tela ficando cheia de gotas, o medo de queimar o celular era grande e as alternativas não eram muitas, até que de repente ele percebeu um estabelecimento aberto na outra esquina, parecia estar repleto de pessoas, era bem iluminado e a melhor vantagem de todas é que as coisas pareciam secas por lá.
Percebeu então que se tratava de uma igreja, de qual religião ou denominação não importava, o Millenial só precisava de um abrigo da chuva e se possível, uma conexão Wi-fi pra chegar o mais rápido possível até o conforto da sua coberta. Desviou das poças, atravessou a rua, entrou pelo estacionamento e foi em direção à uma mulher que parecia estar na porta com a única função de receber pessoas.
Com um sorriso no rosto de quem amou a presença de um novo convidado, ela se direcionou ao jovem — Olá! Tudo bem? Seja bem vindo, você é novo aqui?
— Então, eu só tava precisando de uma cobertura pra pedir um uber, por acaso vocês tem um wi-fi pra eu usar rapidinho? 😁
— Mas é claro! Fica a vontade, a rede é essa aqui e a senha é “unidade”, tudo minúsculo.
— Muuuito obrigado, vamos torcer pra funcionar. Concluia o Millenial enquanto ficava cada vez mais ansioso pra ir pra casa.
— É uma pena que você não pode ficar, você já tinha estado em uma Igreja antes?
— Essa é a primeira vez da minha vida! kkkk 🤡, sabe, meus pais nunca foram de levar o hábito da religião muito a sério, além disso, as religiões ditam algumas regras das quais eu não concordo muito
— Entendi, não é muito comum termos jovens da sua idade por aqui mesmo, as vezes eu acho que a religião de vocês é a internet. O meu filho só larga o celular pra comer, tomar banho e dormir. Eu não deveria ter dado aquele Iphone pra ele… — A questão da igreja é muito simples, nossas portas estão abertas pra ajudar qualquer pessoa no que for necessário, mesmo que isso signifique, por exemplo, compartilhar nosso wi-fi com você, posso dizer que nessa noite nosso papel foi cumprido.
— Você foi muito educada e eu me senti bastante acolhido, muito obrigado! Consegui abrir o app e ele já está procurando um uber. 🙏
— Uma vez um jovem da sua idade me fez uma pergunta muito interessante e aquilo ficou comigo até hoje, ele indagou o seguinte: “Se existem milhares de religiões, e milhares de deuses, isso só pode significar uma coisa, que todos eles se anulam e nenhum deles existe de verdade.”
— Nossa, eu nunca tinha visto por esse lado, acho que concordo com ele, se existem tantos assim, talvez seja tudo um conto de fadas, e digo mais, o que me incomoda nas religiões é que se aproveitam da ideia de Deus pra ditar regras e limitar o verdadeiro potencial das pessoas.
— Entendi, então, a minha resposta pra ele foi que eu concordava com o fato de que existiam vários deuses, mas isso não anulava a existência de todos, nem significava que só um deles é o certo. São apenas vários caminhos pra chegar no mesmo lugar, na mesma ideia de deus. Cada pessoa se identifica com uma história em específico, e nessa história, ela encontra respostas para suas indagações sobre o mundo e emoções repreendidas.
— Okok, o que você ta falando ta começando a fazer um pouco de sentido, mas o meu uber já ta chegando e eu preciso ir. Eu agradeço sua opinião, mas a ideia de ter uma religião ainda não faz muito sentido pra mim.
— Foi muito bom te conhecer, como é o seu nome?
— Timothy, e como é o seu?
— Adele! Timothy, como vocês costumam dizer? Se precisar de wi-fi novamente, “é só colar aqui”, a senha da wi-fi você já sabe, “Unidade”.
Continua.