Liquidez Espiritual
Em tempos de uma sociedade tecnologicamente ansiosa, profissionalmente esgotada e espiritualmente omissa, nos encontramos flutuando em um contexto de incertezas e fluídez externa, onde não importa para qual direção olhamos, não conseguimos nos agarrar a nenhuma ideia que se demonstre sólida o suficiente para nos dar a sustentação que precisamos ter para liderar e nutrir nossas famílias com princípios e virtudes sustentáveis em tempos de conflitos econômicos e sociais. Se iluminarmos uma ótica na obsessão pela tecnologia e na ciência como o Zeitgeist, o espírito do tempo de nossa era, começamos a entender o que se encontra por trás do véu da urgência e aflições das necessidades humanas no século XXI, aflições majoritariamente oriundas do ágil e livre acesso à quantidades excessivas de informação que acabam por nos afogar em dados, ao mesmo tempo que nos desidrata de um verdadeiro conhecimento espiritual e interno. As redes sociais e os micro-estímulos visuais oriundos de interações digitais sem calor humano acabam por confundir nossa mente acerca de quem realmente somos e o que realmente buscamos, nos apresentam com uma miríade de opções ao mesmo tempo que torna obsoleto e entediante relações humanas que tinhamos como certo, isso se deve ao fato de que os algoritmos por trás dessas máquinas não-espirituais, busca incessantemente prender a atenção dos usuários dentro de filtros-bolha de conteúdos que censuram novas maneiras de pensar e que interagem científicamente como um estimulante de serotonina com técnicas de marketing e design, prendendo os usuários a um ciclo vicioso onde se mistura a realidade física com o metaverso digital, usando o mais valioso recurso humano como combustível, o tempo dos usuários e monetizando do mesmo através de seus dados e publicidade milimetricamente direcionada.
Quando analisamos o ato de se entreter com obras audiovisuais em plataformas de streaming com conteúdos praticamente ilimitados e on-demand, podemos entender fácilmente o âmago do problema que a natureza humana tem em lidar com o excesso, visto que muitas das vezes, quando sentamos para escolher um filme ou série, nos pegamos passando mais tempo selecionando qual opção vamos consumir do que consumindo um material em si, em alguma das vezes, terminando em fadiga e desistência daquele tão merecido descanso. De acordo com Bauman, em Tempos Liquidos, “A variedade moderna da insegurança é caracterizada distintivamente pelo medo da maleficência e dos malfeitores humanos, desencadeada pela suspeita em relação a outros seres humanos e suas intenções, e pela recusa em confiar na constância e na confiabilidade do companheirismo humano, gerando inabilidade e/ou indisposição para tornar esse companheirismo duradouro e seguro, e portanto confiável.” Entendemos por conseguinte que nesse excesso de quantidade, a qualidade se encontra escassa seja em âmbito de caráter pessoal ou até mesmo de opções de entretenimento. Visto como um produto do capitalismo desenfreado, percebemos que a obsessão pela ciência e pelo raciocínio crítico direcionado ao crescimento financeiro forçaram a sociedade a deixar de lado a investigação espiritual que sempre caminhou lado a lado ao desenvolvimento pessoal de todas as pessoas, servindo sempre como uma fonte interna, e não externa, de valores, princípios, virtudes, esperança e amor para tempos de cólera e guerras.