Diálogos com a Esperança - I

Era uma vez uma família ancestral de sentimentos, os irmãos e irmãs compartilhavam um colossal palácio em uma dimensão que não era capaz de ser vista com os olhos, os sentimentos viajavam para longe com frequência mas sempre retornavam ao lar depois de serem solicitados em algum lugar do universo.
Naquele particular período, todos os sentimentos haviam se juntado para conspirar contra Esperança, a irmã mais nova. Havia algo sobre a personalidade da caçula que passou a incomodar alguns sentimentos e assim, todos os irmãos e irmãs participaram de uma votação para aprisionar Esperança em um lugar isolado fora do palácio por tempo indeterminado; por algum motivo queriam se ver livre da Esperança e assim o fizeram após um consenso que não foi unânime mas que foi parcial o suficiente para castigá-la.
Esperança amanheceu então entre quatro paredes sem sequer uma janela para lhe prover a luz do sol ou uma porta para indicar um caminho. Um silêncio absoluto habitava cada centímetro daquele cômodo enquanto Esperança emanava uma luz intrínseca a seu corpo e portanto, expulsava qualquer tipo de escuridão dos cantos daquele quarto. Não era capaz de entender como foi parar ali e muito menos como faria para dali sair. Não se deixara abalar por aquele infortúnio pois Esperança nunca precisou de música para dançar, nunca respirou um oxigênio que não fosse o seu próprio e nunca antes fraquejou diante uma desventura.
O tempo naquela prisão passava de uma maneira que não se era possível mensurar e assim, Esperança se encontrou presa entre o passado, presente e futuro vivendo um momento que parecia ser eterno, pausado e ao mesmo tempo, contínuo. Entretanto, Esperança sabia que alguém viria ao seu encontro, não por necessidade e muito menos por interesse mas com toda certeza por resquícios ou excesso de uma sincera lembrança.
Não tardou até sua primeira visita aparecer e não haveria de ser alguém além de sua irmã Saudade. Chegara naquele quarto com um ar de felicidade por vê-la novamente e então dialogaram.
— Esperança! Que falta você faz nas redondezas de meu coração minha irmã. Sem ti por perto, respiro ar rarefeito. Sem seu calor minha pele esfria e sem seu ritmo, meu sangue coalha. Disse Saudade enquanto se acomodava ao chão junto à sua irmã.
— Esperava por você como as plantas esperam pela brisa da manhã Saudade, não sei como vim parar aqui mas com você por perto, eu não teria motivos para sair. Expressou Esperança enquanto olhava fundo nos olhos de sua irmã.
— Nem sempre as coisas certas acontecem mas até mesmo o errado se torna o certo se dermos ao tempo, espaço-tempo. Nosso lar não tem sido mais o mesmo sem você e uma penumbra parece tingir o olhar de nossos irmãos, parece ao meu ver que nem mesmo a maior das luminárias é capaz de substituir a luz orgânica do seu ser. Disse Saudade com um ar de preocupação.
— Se o escuro há de ser preenchido por alguma coisa não seria por outra que não fosse a luz, como você me ensinou um dia minha irmã, a falta cria um espaço a ser preenchido e um espaço disponível clama sempre pela peça que está faltando. Disse Esperança enquanto desenhava um triângulo com o dedo no chão.
— Quando alguém nos ensina aquilo que já fomos capazes de explicar, isso sinaliza que nossas palavras nunca foram em vão pois mesmo quando esquecemos nossa essência, quem nos ama há de lembrar. Seu lugar não é aqui e eu hei de arquitetar um plano para nos trazer de volta aos seus braços. Fique com isso, aguente firme e não saia daqui minha irmã.
Em um piscar de olhos, Saudade se foi e deixou na mão de Esperança um lápis que sem um papel parecia não ter utilidade mas que na mão de Esperança, logo encontrou um propósito.
Esperança então percebeu que a única coisa que não gostava daquele lugar onde fora aprisionada era a falta de espaço, o excesso de sua luz ultrapassava as dimensões daquele quarto e aquilo poderia acabar por cegar algum visitante. Pegou então o lápis e começou a tirar medidas até que em um toque de mágica, dobrou o espaço em que se encontrava. Passou a pensar no que mais estava faltando quando de repente mais uma irmã decidiu aparecer.
— Esperança, por fim te encontrei minha irmã. Se com você por perto as coisas já estavam difíceis, sem você elas se tornaram simplesmente impossíveis. Expressou sua nova visita com um tom cansado em sua voz.
Surpresa com aquela visita, Esperança levantou e com entusiasmo, abraçou sua irmã. — Não esperava te ver por aqui, Melancolia. Nunca conversamos muito mas sempre soube que nas entrelinhas de sua dor, existia um espaço guardado para mim.
— Escute o que lhe digo minha irmã, pois nunca deixei de pensar em você. Se distante eu estive, é porque eu não queria te incomodar com minhas incertezas e angústias. Percebi entretanto, que vazio é uma palavra fraca para expressar a condição de um lar onde você não mais reside. Disse Melancolia enquanto tentava resistir um certo tipo de lacrimejo que lhe seguia pela vida inteira.
— Se suas incertezas te confundem acerca de sua importância para mim, vamos resolver isso minha irmã, pense com carinho e me diga com fraterna sinceridade, o que está faltando? Disse Esperança enquanto cintilava um sorriso para a irmã.
— Essa é a pergunta que respiro e expiro desde minha concepção, como um coração embrulhado em farpas, essa dúvida extingue minha vitalidade e como um corpo cansado de correr parado, vivo imóvel diante a falta da solução. Não consigo lhe dizer o que falta pois nunca fui capaz de imaginar o que mereço. Disse Melancolia enquanto olhava para o chão em tom de rendição.
— Se dentro de ti você não encontra mais respostas então fora de ti um oceano de soluções esperam para te preencher querida irmã, escute, estou decorando meu novo lar e preciso da sua ajuda, o que você acha que podemos adicionar por aqui? Perguntou Esperança enquanto levava uma das mãos ao queixo e observava seus arredores.
Tomada por um sentimento de surpresa, Melancolia se sentiu privilegiada por ter sido consultada sobre algo tão pessoal para Esperança e assim, com a cabeça borbulhando ideias, começou a disparar sugestões para sua irmã
— Visto que não tem nada aqui além de paredes, a primeira coisa que precisamos adicionar são plantas pois nada representa melhor a sua essência do que a natureza, irmãzinha. As plantas vão precisar respirar então já pode quebrar alguma dessas paredes para descobrirmos o que tem lá fora e deixarmos o sol entrar. Disse Melancolia em um tom de empolgação que era muito raro de sentir em sua voz.
— Ideias dignas de um coração profundo, Melancolia! Vou começar as mudanças agora mesmo. Concluiu Esperança enquanto planejava a transformação.
— Você acaba de me dar algumas ideias que nunca antes cogitei serem possíveis irmã! Preciso ir mas quero que lembre que nunca vou esquecer o que você fez por mim hoje. Fique com isso, você vai precisar. Concluiu Melancolia enquanto deixava um martelo na mão de Esperança e desaparecia em um piscar de olhos.
Esperança então, se encontrou mais uma vez sozinha naquela prisão que passou a chamar de lar. Com um martelo e um lápis, sabia que tinha o necessário para preparar um ambiente mais agradável para a próxima visita.