A Natureza do Legado

L. Lightfeather
6 min readMay 5, 2024

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  1. Considerando que vir a existir é na mesma instância, em algum momento, deixar de existir, investigar a questão de “Legado” pode iluminar uma luz acerca da condição de natureza.
  2. Pois como consequência de existir, buscamos deixar nossas marcas e nomes no mundo. As vezes, através de realizações materiais, como por exemplo o esforço dos Egípcios em construir suas monumentais pirâmides, que deixaram um legado arquitetônico. As vezes, através de realizações imateriais, como por exemplo as pesquisas de campo de Darwin, que deixaram um legado científico de ideias e conhecimento. As vezes, através de ralizações abstratas, como por exemplo as poesias de Homero, que deixaram um legado mitológico, espiritual e artístico.
  3. Assim se fundamenta a origem e significado da palavra “Legado”, que deriva do verbo latim “Legare” e que significa “deixar por testamento” ou “transmitir”.
  4. Doravante, tratar o conceito de legado não como condição para existir mas como resultado da existência se faz fundamental para investigarmos a sua importância em nossas vidas.
  5. Pois não importando quem há de ser considerado, todo homem ou mulher deixa algo para trás quando o limite de seu relógio biológico é atingido. Sejam (a) bens afetivos, como memórias, relações e ensinamentos; sejam (b) bens culturais, como ciência e poesia ou (c) Bens pessoais, como heranças e moedas.
  6. Resgatamos então uma citação de Paulo Freire para entendermos melhor a primeira categoria (a) de legado. “O educador se eterniza em cada ser que educa”. Muito, essa sentença diz acerca da importância do professor na sociedade pois o educador cumpre o papel fundamental de compartilhar seu conhecimento e experiência com a consequência de transformar a história de quem o aprende.
  7. O educador se torna assim um sentinela no coração de não uma, nem duas, mas múltiplas pessoas em muito larga ou pequena escala que não só aprendem, mas aplicam tal conhecimento em suas profissões e compartilham a prima essência do saber que foi sintetizado primeiro, na mente do professor que o aprendeu visando não ser apenas o único detentor do conhecimento, mas também, a antena pela qual ele transitou e se transmitiu.
  8. Navegando assim por gerações e mais gerações de incontáveis origens diferentes mas que compartilham como comum, a mesma origem de um conhecimento.
  9. Não seria então a eternidade como a centelha de um corpo humano que se desprende de sua origem mas que permanece até mesmo quando a origem em si não mais está por perto? Não seria então o corpo humano um veículo temporário para se criar as coisas que há muito permanecem e permanecerão entre nós mesmo enquanto o referido criador não mais está por perto?
  10. Pois um testamento é um documento que visa não apenas listar posses e bens, mas só se faz completo quando nomes são associados aos itens e assinado com a marca caligráfica do proprietário através da tinta da caneta no papel.
  11. Sendo um nome, assim como um sobrenome, a maneira humana de expressar através da linguagem a identidade de uma pessoa que por entre a existência passou mas cujo relógio biológico respeitou um limite imposto pela natureza enquanto o nome superou todo e qualquer limite biológico por se apresentar como linguagem e por consequência, como ideia.
  12. Nos levando agora à segunda categoria (b) de legado, que remete a ideias, conhecimento, cultura e poesia.
  13. Resgatamos então um nome, muito comum, que alguém foi capaz de transformar em testamento com a sua própria capacidade de criar e inventar, pois Raphael foi um pintor e arquiteto Italiano da alta renascença de sobrenome Sanzio da Urbino.
  14. Entretanto, sua capacidade extraordinária como pintor e sua contribuição para com a cultura Italiana deixou obras apreciadas, lembradas e estudadas até os dias de hoje e de amanhã. Como por exemplo o afresco “A Escola de Atenas”, que ainda enaltece uma das salas do palácio apostólico no Vaticano e que se encontra amplamente descrita e distribuída em âmbito digital.
  15. Assim, consideramos que muitos Raphaels transitaram, transitam e hão de transitar pela existência mas apenas um foi capaz de transformar seu nome em testamento através da capacidade criativa de conceber ideias, arte ou cultura — e por isso, é lembrado, como legado, até os dias de hoje.
  16. Pois aquilo que é efêmero se desfaz na mesma velocidade que se forma, e aquilo que é eterno, se faz sem levar em consideração a unidade de medida do tempo, pois tempo é mera unidade de medida de seres conscientes quem veem a condição de se existir com um relógio biológico humano.
  17. Enquanto uma pintura se deteriora com o tempo mas se torna atemporal ao clamar pela preservação ou réplicas.
  18. Da mesma maneira, uma descoberta científica visa deixar um tijolo no castelo da progressão tecnológica de conhecimento humano. Se fazendo ser lembrado por aquele que foi capaz de acertar as medidas e formas e que pintou o tijolo com a cor de seu nome e dedicação para com sua vocação.
  19. Pois uma fórmula matemática, uma lei física, um teorema ou um modelo teórico são ideias e conceitos eternos, mas um tijolo feito de pedra é um artefato composto por um minério.
  20. Um minério é uma substância inorgânica resultante de um processo geológico.
  21. Um processo geológico é uma manifestação dos recursos presentes no planeta terra.
  22. E o planeta terra é composto por recursos finitos.
  23. Da mesma maneira, nossa terceira categoria (c) a ser investigada, as riquezas e bens materiais, também são finitos.
  24. Pois terras, veículos, construções, jóias, objetos e moedas são bens que costumam ser deixados por testamento, mas sempre há um limite no valor numérico que representa seus limites.
  25. Assim como existe um valor numérico que define a escala de seus valores. Enquanto um nome, uma pintura ou uma descoberta científica, jamais haverão de ter um valor exato a ser calculado.
  26. Pois um terreno no centro de uma grande metrópole se faz de valor pela sua localização e metragem cúbica que representa o espaço utilizável, mas seu valor diminui conforme o terreno mais se afasta de outros terrenos com valor.
  27. O que não significa que um terreno isolado em área rural não possa oferecer as mesmas utilidades que um terreno bem localizado próximo às facilidades de um centro metropolitano.
  28. Assim, o conceito de valor também clama por categorização e talvez só possamos vir a separá-lo em duas instâncias, sendo essas (1) valor tangível e palpável e (2) valor intangível e impalpável.
  29. Pois aquilo que é simples é palpável como uma conta matemática, mas aquilo que se faz complexo, é impalpável como palavras ordenadas de forma que se transformam em poema.
  30. Assim, um veículo novo de fábrica se encontra no ápice de seu valor, mas conforme é utilizado e ultrapassado em tecnologia, se torna um bem deflacionário que decresce em valor com o tempo.
  31. Enquanto um poema de Shakespeare ainda é referência para outros poemas e é encenado em teatros para o entretenimento e inspiração de uma audiência.
  32. Pois quando se trata daquilo que representa a primeira instância (1), aquilo que tem valor tangível tem um relógio monetário.
  33. Pois seu valor está atrelado ao de muitas outras coisas que são calculadas usando de base um relógio biológico. Que possui finitude e que sempre decrescerá de saúde com o tempo.
  34. Assim, o valor dado para aquilo que é tangível é proporcional à sua tangibilidade que nem sempre será constante por ser refém do desgaste temporal que há de definhar sua utilidade.
  35. Já aquilo que se trata da segunda instância (2), que possui valor intangível e que não perece com o tempo, tem um valor intangível por ser capaz de transcender a capacidade de um relógio.
  36. Pois seu valor está atrelado não apenas à sua função, mas principalmente em sua estética. Que não é capaz de ser quantificada, mas que causa sentimento ou utilidade sem utilizar de qualquer recurso se não aqueles utilizados para sua criação.
  37. Que por ser impalpável, também se faz inestimável e que por isso, sempre se sobressairá daquilo que é efêmero e temporário.
  38. Assim, o valor dado para aquilo que é intangível é proporcional à sua intangibilidade que não há de ser nem constante e nem inconsistente, mas com toda certeza, atemporal.
  39. Pois aquilo que é eterno para alguns, é efêmero para outros.
  40. E aquilo que é efêmero para alguns, é eterno para outros.
  41. Como um eterno ou efêmero dramaturgo uma vez o disse…
  42. Anche un orologio rotto è giusto due volte al giorno.

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“L’amor che move il sole e l’altre stelle.” ― Dante Alighieri, The Divine Comedy

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