A Condição de Natureza

L. Lightfeather
6 min readMay 5, 2024
  1. Investigar a condição, na perspectiva de estado, da natureza se trata sobretudo de questionar a essência do nascer, pois tendo em suas raízes mais profundas o termo “natura”, derivado do verbo “nasci”, a palavra natureza se trata daquilo que resguarda a origem e essência intrínseca do que se é investigado.
  2. Investigar a raiz das raizes, se torna assim uma tarefa que só pode começar da mesma maneira que termina, não com presunção aos fatos, mas com os fatos de toda e qualquer presunção.
  3. Pois mundividência é o conceito que forra todos os aspectos fundamentais da lente pela qual uma pessoa visa ver; se comportar perante; e entender — o mundo. Mas sempre se desenvolve como um ponto de vista único mesmo que em sua fundação, só vem a existir graças a processos biológicos, químicos e orgânicos compartilhados por todos seres viventes, incluindo aqueles que não são de fato conscientes de sua própria existência.
  4. Portanto, dentre os pormenores de vir a existir e os pormaiores em de fato executar a ação de existir, se encontram colossais átomos de disparidade onde de um lado, aquele que navega o processo de apenas existir passivamente acaba por se tornar resultado de um contexto enquanto de outro, aquele que abraça a ideia de existir ativamente, transforma o contexto em prol do resultado em si.
  5. Porém transformar um contexto envolve aquilo que é o verdadeiro pêndulo separador das duas polaridades investigadas, sendo esse divisor, em suprassumo, o teor de responsabilidade que alguém seja capaz de acolher como condição de aplicar o ato de existir, pois da mesma maneira que o nascimento da consciência não é um esforço inteiramente calculável, agir em prol do existir não teria como ser diferente.
  6. Pois o ato de calcular implica em tomar medidas ou determinar padrões e constâncias dentro de um sistema para assim, tomar decisões que entregam resultados já esperados ou previstos.
  7. Entretanto o ato de prever, estimar ou apenas imaginar se encontra distante do ato de, realmente, e com aquiescência, existir, pois uma projeção se trata de um movimento inerte no espaço da consciência que pode vir a servir apenas como ilusão como também, em alguns casos, se tornar catalizador para real ação.
  8. Projetar um caminho se torna então, em parte, o processo e ato do caminhar, enquanto em contraponto, trilhar um movimento em prol de uma direção sem a devida pavimentação se realiza, por completo, como o ato de caminhar, mesmo sem a resguarda de uma ou qualquer verdadeira estimativa daquilo que pode ser gerado como resultado.
  9. Fundamentando assim que o agir e o pensar podem trabalhar em consonância mas também se tornarem forças que se anulam com inércia, se faz necessário considerar a importância do aspecto de oscilar, pois nem de apenas pensamento pode-se viver, e nem de apenas ação pode-se de fato existir.
  10. Pois apenas agir pode vir a gerar transformações indesejadas.
  11. Enquanto apenas pensar, não gera transformação alguma.
  12. Encontrando enfim a raiz de um paradoxo dentro do assunto, podemos agora tentar realizar uma incisão cirúrgica com o objetivo de neutralizar esse nó que tende a impedir o necessário passo a ser dado para fora da zona de conforto, onde reside a fonte da verdadeira evolução e desenvolvimento da natureza de um caráter.
  13. Pois caráter, assim como tudo que exploramos até aqui, são aspectos de natureza humana, e humanos, possuem uma natureza que tende a extrair mais do que depositar para conseguir existir.
  14. Resgatamos então como ferramenta para a próxima etapa dessa investigação o conceito oriental de espaço do Taoísmo, pois existir envolve o ato de ocupar um espaço enquanto o não-agir se refere à permitir que as coisas se movimentem e existam no espaço disponível.
  15. Sendo então o espaço vazio algo essencial para permitir o fluxo natural das coisas, seria o ato de ocupar ou conquistar um espaço um ato contra a ordem da natureza? Ou será que em retumbante realidade, o simples ato de vir a nascer já poderia ser considerado uma perturbação de referida ordem natural?
  16. Se por um lado respirar, pensar e ocupar um espaço sejam aspectos de uma natureza que ocupa um contexto de muito mais larga escala, por outro, respirar em magnitude, pensar em magnitude e ocupar um espaço de magnitude pode se referir à mesma perturbação da ordem natural das coisas oriunda do simples vir a existir, mas em escalas diferentes.
  17. Se por exemplo, vir a nascer em um lugar específico, de um momento específico e com uma origem específica, conferisse a alguém todos os alimentos (ou espaço) do mundo, o que viria a se tornar do universo se não apenas uma e somente existência que não tem mais espaço a ocupar considerando que já a tudo, englobou?
  18. Da mesma maneira, se por exemplo, vir a nascer no pior dos lugares, do pior dos momentos, com a pior das origens, conferisse a alguém uma soma completamente nula de todos os alimentos (ou espaço) do mundo, o que viria a se tornar do universo se não um magnífico espaço a se conquistar, considerando a potencialidade de a todo espaço, ocupar?
  19. Se centenas de hectares de um território não populado é antes propriedade da natureza, para depois se tornar propriedade de um estado, o que seria a ação de demarcar tal espaço, se não o ato de existir por governantes?
  20. Se centenas de hectares de um território não populado é antes propriedade de um estado, para depois se tornar uma propriedade de um conjunto de pessoas, o que seria a ação de adquirir esse espaço, se não o ato de existir por cidadãos?
  21. Se centenas de hectares de um território populado é antes propriedade de um conjunto de pessoas, para depois se tornar um objeto de desejo de uma só pessoa, o que seria a ação de negociar esse espaço, se não o ato de existir por uma só pessoa?
  22. Se centenas de hectares que surgiram como território natural terminam como um território privado, o que isso pode nos levar a concluir acerca do ato de existir?
  23. Pois um espaço que antes não era ocupado, terminou sendo ocupado por alguém que não teria como fazer um verdadeiro usofruto de tamanha dimensão sozinho.
  24. Tal conclusão, muito diz sobre a natureza humana de acumular, mas pouco diz sobre o método humano de expandir sua própria natureza.
  25. Pois ocupar tamanho espaço implica em se responsabilizar por sua verdadeira posse mas nem sempre significa que os meios utilizados para aquilo conseguir, sustentam de fato o peso de tamanha responsabilidade.
  26. Pois diferente do estado de não-agir, o estado de agir suplanta o ato de assumir as consequências daquilo que vier a ser o resultado de uma ação.
  27. Existir, então, se torna um exercício constante de erros e acertos mas exclui com antecedência, qualquer agente que por medo de errar, escolhe não agir.
  28. Da mesma maneira, e diferente do estado de agir, o estado de não-agir suplementa uma realidade que foge completamente do controle e até mesmo dos anseios do agente que por medo de errar, escolhe não agir.
  29. Chegando enfim na questão do erro ou acerto, agir ou não-agir se fazem ambos inerentes à dito termos. Pois ocupar um espaço implica em subtrair algo de algum lugar para poder adicionar em outro. Então se espaços hão de ser ocupados por simples questão de um constante fluxo da ordem da natureza, deixar de agir significa também, ter que contra-agir em prol da própria existência e do próprio espaço.
  30. Pois espaços serão ocupados e nem sempre de maneira que seja coerente com a verdadeira ordem da natureza, pois a natureza humana implica em subtrair para se somar e tal ação nem sempre rege a constância de um erro para o agente em ação.
  31. Pois o agir e o não-agir se separam em termos de responsabilidade. De um lado, a falta de ação de um agente, se faz consequência de uma falta de anseio, disposição ou compromisso, enquanto, de outro, a execução da ação se faz consequência do preparo e da capacidade de se responsabilizar por transformações.
  32. Quando em conclusiva realidade, tudo tem o seu momento de ação, pois transformação e movimento são tão constantes e naturais quanto o planeta que nos rege e que gira em fluxo contínuo, levando junto, todos seus espaços e sua plural natureza.
  33. Eppur si muove.

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L. Lightfeather

“L’amor che move il sole e l’altre stelle.” ― Dante Alighieri, The Divine Comedy